Para se compreender melhor o que são as Artes plásticas é necessário estabelecer um estudo aprofundado sobre a Arte e a imagem, sendo estes os eixos principais para as Artes Plásticas. V. Chklovski (1925) afirma que “a arte é pensar por imagens”, e faz uma citação de Potebnia: “Não existe arte e particularmente a poesia sem imagem” (ibid. Notas Sobre a Teoria da Literatura, p. 83). Chklovski acrescenta que “a poesia é uma maneira particular de pensar, a saber um pensamento por imagens”; e que “esta maneira traz uma certa economia de energias mentais, uma “sensação de leveza relativa” e o sentimento estético não passa de um reflexo desta economia.” (Ovisianiko-Kulikovski apud. Chklovski). Segundo o autor, “o pensamento usa as imagens para agrupar os objetos e as funções heterogêneas e explicar o desconhecido pelo conhecido.” Baseado no conceito do autor, observamos a tamanha significação da imagem, não apenas em obras de arte de cunho visual ou mesmo na comunicação com linguagem visual, mas em toda a criação e organização do próprio pensamento, que é a diretriz principal das ações humanas. Até mesmo enquanto falamos, nós utilizamos as imagens gravadas em nossa mente para realizar o raciocínio.
O autor menciona a poesia como foco principal a respeito das imagens, porém é completamente compreensível e qualquer um pode concluir que isso se aplica a qualquer tipo de obra de arte, como o próprio autor menciona que “não há obra de arte sem imagem”. Comprova-se, sem nenhuma dificuldade que não existe obra literária ou não-literária que não se utilize de imagens, que nos são evocadas através das palavras que as representam. Na poesia, é claro, este conceito aparece de forma muito mais explícita por meio do uso de metáforas e tantos recursos linguísticos que são utilizados, que nos trazem sempre a imagem de forma instantânea para nossa mente, para que possa haver compreensão. Ademais, não podemos negar que em textos narrativos, dissertativos, descritivos, em prosa, etc. a nossa imaginação viaja e entramos em um mundo, uma outra realidade diferente da nossa, por mais realista ou fantasioso que possa ser. Um universo paralelo, que une as imagens que conhecemos visualmente e gravamos na mente aquilo que é dito no texto.
Nesta linha teórica, as imagens propriamente ditas são muito mais diretas e dependem de nosso conhecimento de mundo para fazer sentido. Assim como qualquer outra obra escrita ou não escrita. Um exemplo bem claro disso é quando nos deparamos com um filme baseado em uma obra que lemos. Acabamos, muitas vezes, frustrados por termos imaginado algo completamente diferente, ou mesmo maravilhados pela riqueza das imagens, que muitas vezes não podem ser descritas com palavras ou são desfiguradas por estas. Baseado neste conceito de formulação do pensamento, podemos compreender muito melhor o que é esta faculdade humana tão importante que é a “imaginação”, ou seja, o pensamento por imagens, expresso claramente nas diversas obras de arte.
O autor continua com sua citação de Potebnia:
A relação da imagem com aquilo que ela explica pode ser definida como se segue: a) a imagem é um predicado constante para sujeitos variáveis, um meio constante de atração para percepções mutáveis; b) a imagem é muito mais simples e muito mais clara do que aquilo eu ela explica.” isto é “visto que a imagem tem como objetivo ajudar-nos a compreender sua significação e visto que sem esta qualidade a imagem priva-se de sentido, ela então deve ser para nós mais familiar do que aquilo que ela explica.” (apud CHKLOVSKI, 1973, p. 314)
Chklovski, citando Tiutchev, expõe a comparação feita pelo autor com os “demônios surdos-mudos” e cita também Gogol, com uma comparação que o mesmo faz “do céu com os parâmetros de Deus”. E este expõe que as imagens nos ajudam a compreender a música, a arquitetura e a poesia lírica, através de um pensamento por imagens. Chklovski acrescenta que Ovsianiko-kulikovski tentou classificar isoladamente a poesia lírica, a escultura e a música como uma forma singular de arte sem imagens. Porém, Chklovski diz que o máximo que Kulikovski conseguiu foi uma classificação lírica, no sentido restrito e literal, ao pé da letra. Sendo assim, apenas um lado diferente da mesma arte, que possui um lado literal e outro abstrato. Uma arte que representa o real e concreto, ou as imagens que conhecemos e vemos e outra com uma significação abstrata e surrealista, e até mesmo ultra-realista, expressando emoções, ideias e ideais, com significações que passam pelo estudo da semântica ou qualquer outra linha de estudo do sentido, adquirindo significação de acordo com quem interpreta.
Nesta relação, entre a arte e a imagem, a arte é uma formulação abstrata que organiza pensamentos por meio de imagens concretas para estabelecer um ou vários sentidos ou significações. Expressa determinadas emoções, pensamentos e ideias, desejos e instintos ou ações, do que existiu, existe ou possa existir. É um mundo de possibilidades infinitas processadas na mente humana, que podem ou não alcançar o objetivo pretendido por quem as criou. Todas as expressões humanas passam pelo filtro das interpretações, e no nosso foco de estudo não poderia ser diferente. Os autores podem ser mal compreendidos ou interpretados de forma equivocada, principalmente ao olhar pelo olho da crítica, que, muitas vezes, pode ser dura e severa ao elaborar conceitos que induzem a formação de uma opinião coletiva.
Chklovski (1973) também faz citações, omitindo suas fontes, expondo que: “A arte é antes de tudo criadora de símbolos”. Ele faz menção à corrente simbolista e, sobretudo, aos seus teóricos, dos quais podemos chegar aos estudos de embasamento principal da própria linguagem escrita, que se baseia sobretudo nas imagens. Podemos neste ponto observar os estudos de Fiorin (2002, p.11)
[...] embora formuladas em épocas remotas por sociedades diversas, associam a palavra - linguagem verbal – ao poder mágico de criar. O fascínio que a linguagem sempre exerceu sobre o homem vem desse poder que permite não só nomear/criar/transformar o universo real, mas também possibilita trocar experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir e até mesmo imaginar o que não precisa nem pode existir. A linguagem verbal é então a matéria do pensamento e o veículo da comunicação social. Assim como não há sociedade sem linguagem , não há sociedade sem comunicações. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma realidade material, que se relaciona com o que lhe é exterior, com o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material – organização de sons, palavras, frases – a linguagem é relativamente autônoma; como expressão de emoções, ideais, propostos, no entanto, ela é orientada pela visão de mundo, pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante.
Verificamos aqui qual é a importância da imagem, sendo este o primeiro meio de comunicação humana e sendo até mesmo uma forma de comunicação universal que representa a realidade perfeitamente compreensível por todos os que nela estão inseridos e que só se restringe a idiomas quando passa pelo campo dos símbolos e signos linguísticos. Comprovamos isto ao percebermos que toda e qualquer pessoa tem o primeiro contato com a realidade na observação de imagens que associa em sua mente, com sons, aromas e sensações diversas, a novas imagens através das lembranças. Dentro deste conceito, uma criança só passa ao processo de aquisição de linguagem verbal quando já possui certo conhecimento visual, associando imagens aos sons, especialmente sons verbais.
Ainda podemos destacar que antes de o homem, na história da humanidade, adquirir a linguagem verbal ou mesmo escrita, ele se comunicava com as imagens, as pinturas feitas em cavernas com sangue de animais ou extratos vegetais, ou até mesmo entalhando na pedra rústica. Eis aqui o surgimento das primeiras formas de arte e linguagem humana, que antecedem até mesmo a linguagem verbal. Só muito tempo depois é que o homem começou a associar os sons que produzia, imitando os animais, as imagens que criava e ao que via, dando origem aos símbolos e a linguagem verbal que variava de acordo com as formações de tribos diferentes (SANTAELLA, 2001)
Segundo Gombrich (1999), apenas depois que os povos começaram a deixar de ser nômades e se fixar em comunidades, dando origem às sociedades primitivas. Sobretudo,
A reprodução da realidade passa pelo filtro da interpretação mental antes de chegar a expressão. Isso ocorre em qualquer tipo de linguagem, seja verbal ou não verbal. Pode ser tanto uma expressão individual como fruto de um pensamento coletivo. Uma pintura, por exemplo, pode ser o mais realista possível, mas passará sempre pelo filtro da percepção e interpretação do autor. Como exemplo disso, podemos citar um dos quadros mais popularmente conhecidos, mais debatidos e interpretados de toda a história, nos diferentes meios de comunicação, que é a tela da Gioconda, a Monalisa, de Leonardo Da Vinci. Uma pessoa comum pode ver claramente, neste quadro, a imagem de uma mulher simples da aristocracia da época renascentista. Entretanto, pessoas com um conhecimento mais profundo interpretam como mensagens subliminares provenientes de uma cultura e doutrina do autor, com significados místicos, científicos, filosóficos e artísticos.
Como afirmado na citação de Fiorin, a linguagem, seja ela verbal ou não, e especificamente tratando-se aqui da linguagem visual, é uma forma de representar o universo que conhecemos através de uma criação que expõe o que poderia ser, de um ponto de vista diferente e artístico, e é este ponto de vista, originado no “mundo das idéias” (PLATÃO, 427-347 a .C.), que deu origem as mais variadas descobertas e invenções da humanidade, que em sua maioria se utiliza das imagens para fazer desenhos de plantas e projetos, como o mesmo autor da Gioconda, que criou a bicicleta e o helicóptero, e tantas outras invenções, que inspiraram diversos outros inventores que seguiram seus passos, até mesmo nos dias atuais, para novas descobertas e criações. A ficção científica, que tão bem conhecemos nos dias atuais, também teve origem nas Artes Plásticas antes mesmo de aparecer nos livros literários, foi adaptada de pinturas surrealistas para desenhos em quadrinhos e filmes de ficção.
Muita coisa que antes parecia ser apenas fruto da imaginação humana hoje se tornou realidade, bem como os erros que o homem deve evitar cometer. Diversas criações foram inspiradas inicialmente nas artes plásticas, como verificamos no exemplo anterior. Ao visitar uma galeria de arte, e sabendo compreender esse tipo de linguagem, podemos compreender melhor os motivos destas inspirações, que nos levam a querer viver em uma outra realidade, em um mundo sobrenatural e superior, onde tudo é possível.
Verifica-se assim que a arte vai muito além de uma forma física e concreta de criação humana, sendo um elemento criador e interacionista que origina elementos transformadores da realidade, mesmo sem uma intencionalidade consciente do autor. Através da arte não apenas se obtém a faculdade de expressar a realidade, mas também o incrível poder de transformá-la através do que inspira. Isso pela grande capacidade na influência que exerce causando um efeito nas massas ao longo do tempo e do espaço.
Esse conhecimento da arte influenciadora é facilmente observado na mídia, que se utiliza das imagens em um conjunto de composições para a persuasão e até mesmo o controle do pensamento subconsciente e consciente coletivo, para convencer sobre determinado assunto ou produto. Ou mesmo na política, onde se procura expor uma imagem positiva e até mesmo distorcida para convencer a população de um ponto de vista positivista ao extremo ou até mesmo fantasioso. Dois exemplos muito comuns são as imagens assumidas e propagadas pelo Nazismo, em sua época, e o domínio mundial norte-americano da atualidade, que convenceram a tantos com sua imagem positivista e tão duvidosa que passavam para justificar ao mundo as suas ações tão devastadoras. (CHIPPS, 1998).
O poder da imagem como influência coletiva é completamente avassalador, podendo este ser usado de forma verdadeiramente positiva, de forma construtiva, ou usado de forma negativa, tornando-se destrutivo e dissimulador. Tudo vai depender então da forma que será utilizada, são dois lados da mesma moeda, assim como tudo o que existe no universo, que pode ser usado positiva ou negativamente. Como diz o dito popular: “é preciso ver para crer”, ainda que não seja uma imagem real, como a imagem da conquista da lua pelos norte-americanos, que é questionada, mas aceita, até os dias atuais. O Ser humano precisa crer em uma imagem. ou em um ícone que lhes sirva de apoio mental, mesmo que muitas vezes sejam falsos. Infelizmente, a energia humana é empenhada atualmente em sua grande parte no lado negativo da imagem, sendo que as imagens de produtos ofertados em prateleiras convencem muito mais do que as imagens de campanhas para “salvar o planeta”, expostas por instituições como o “Greenpeace”.
Além dos meios de comunicação convencionais como televisores, livros, cartazes, revistas, etc., as imagens tornaram-se um meio de expressão e comunicação de extrema importância na atualidade. Especialmente na internet, nos sites de relacionamento, principalmente, onde a comunicação ocorre em tempo real. Na internet, a comunicação pode ocorrer livremente do povo e para o povo, tendo a possibilidade de não sofrer a influência direta da mídia, da elite dominante ou dos governantes políticos, com interesses individualistas, e com maior liberdade de expressão para interesses coletivos.
As imagens neste veículo de comunicação tanto são postadas em tempo real como permanecem até mesmo por vários anos on-line, desta forma, qualquer pessoa pode ter acesso. Isso além de possibilitar uma expressão mais real, dependendo da confiabilidade da fonte, é uma ferramenta formadora de opinião direcionada para pessoas comuns por pessoas comuns, com maior liberdade de expressão e informação, agindo como elemento fundamental de transformação da realidade.
Desta forma, qualquer pessoa pode ter acesso ao que antes era completamente restrito e usado como forma de controle das massas sociais. O que antes era expresso apenas de forma subliminar em obras de arte surrealista, para driblar a opressão dos poderosos, hoje é expresso de forma muito mais natural e explícita. Tudo isso nos faz entender melhor qual é a importância da imagem, que compõem tudo o que existe dentro de nosso campo de visão e que exerce influência em nossa psique, e especialmente as formas presentes nas artes plásticas.
Como se verifica, o conhecimento é um grande poder que se adquire, e as imagens são os elementos principais de formação do conhecimento. Quando se possui conhecimento se formula opinião própria, e é esta que nos liberta do domínio político e social imposto pelos poderosos em uma hipnose coletiva propiciada pelas falsas imagens e falsas aparências, daqueles que assumem o poder na sociedade para dominar as massas. Como o exposto na citação de Fiorin, o indivíduo é fruto das massas assim como as massas são formadas pelo conjunto de indivíduos. Todos os que se utilizam deste conhecimento transformador têm consciência que modificando a forma de pensamento dos indivíduos se modificam as massas.
Eis aqui o poder do elemento modificador e transformador da arte e da imagem e a sua importância e uso na contemporaneidade. Se fossemos aqui expor detalhadamente os diversos aspectos da imagem e da arte, principalmente nas artes plásticas, preencheríamos muitos volumes. Basta apenas expor a parte mais específica neste trabalho, que diz respeito a casualidades e efeitos desta linguagem visual. Podemos mostrar nas imagens o que as palavras não conseguem explicar e que vai muito além daquilo que meramente aparentam, pois alguns simples rabiscos nos podem exprimir uma mensagem de um livro inteiro. Verificamos expressões de diversos símbolos usados por instituições diversas, que na maioria das vezes provem de origem de doutrinas místicas ou religiosas, como a cultura grega e cristã, e cujos símbolos ainda usamos até os dias de hoje mesmo sem saber as origens de seus significados.
O exposto anteriormente é a estrutura principal presente nas artes plásticas, que exerce a mesma função da gramática da linguagem verbal, o uso dos diversos símbolos e mecanismos que variam de acordo com a cultura de quem os expressam. Isso ocorre exatamente em qualquer tipo de linguagem, nas quais só se pode decifrar inteiramente os códigos de linguagem aqueles que fazem parte daquela cultura ou que possuam um certo conhecimento a respeito da mesma.
No meio acadêmico, já estamos saturados de diversas definições de linguagem, porém o que nos falta é uma definição mais profunda da linguagem visual presente nas artes plásticas, cujo embasamento principal é o que origina todos os demais tipos de linguagem, tornado-se por tal motivo a principal forma de linguagem e expressão.
As artes plásticas não se baseiam simplesmente em pintura em tela. Até mesmo uma foto ou uma imagem feita em computador constitui-se fundamentalmente em artes plásticas, sendo que o que muda são apenas as ferramentas utilizadas e os nomes modernos que se utilizam, como a arte-digital, por exemplo. Porém, em síntese, se constituem da mesma coisa. As formas utilizadas pela tecnologia moderna são apenas aprimoramentos e aperfeiçoamentos para se expressar a sua base fundamental que é o pensamento e as emoções do ser humano, assim como todas as formas de linguagem em geral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário!